Arrojamentos de meros nos Açores: alterações climáticas podem estar na origem das ocorrências
Horta, 8 de outubro de 2024
À cerca de um mês que se têm verificado em várias ilhas dos grupos ocidental e central dos Açores dezenas de arrojamentos e mortes de meros Epinephelus (Mycteroperca) marginatus, uma espécie marinha de grande importância ecológica e comercial na região. Face ao desconhecimento inicial sobre as causas destas ocorrências, o Governo Regional dos Açores (GRA) interditou a captura, manutenção a bordo, descarga e venda desta espécie no dia 27 de setembro para salvaguardar o interesse público.
O instituto OKEANOS da Universidade dos Açores está a estudar este fenómeno desde as primeiras ocorrências. A nossa equipa do programa de monitorização costeira MoniCO tem: registado dados sobre as ocorrências e recolhido exemplares com a colaboração da comunidade de utilizadores do mar; recolhido informação independente das pescas para avaliar o estado das populações naturais desta espécie; e monitorizado as condições ambientais a que ela está exposta.
Sendo esta uma situação que envolve análises epidemiológicas com possíveis implicações de saúde pública, o OKEANOS articulou também, desde o início, os seus esforços de estudo e monitorização ecológica com as autoridades regionais competentes na matéria (DRP, DRPM, DRV) para troca de informação e apoio na recolha de amostras para envio a laboratórios certificados.
Enquanto se aguardam os resultados do diagnóstico por parte das autoridades, o instituto OKEANOS, prosseguindo a sua missão de disseminar conhecimento científico ao público, informa o seguinte:
1. Os nossos estudos na zona costeira dos Açores mostram que, ao contrário de outras regiões, a população açoriana de mero apresenta tendências populacionais estáveis nos últimos anos. Não há qualquer evidência que estas ocorrências estejam associadas ao efeito direto da pesca.
2. Já foram reportadas no passado situações comparáveis, envolvendo esta mesma espécie no Mediterrâneo, tipicamente associadas a surtos virais ou bacterianos, desencadeados durante períodos de aquecimento anormal do mar. Sabe-se que as doenças e patologias emergentes em espécies marinhas são muitas vezes desencadeadas por anomalias ambientais.
3. Nos Açores, tem-se verificado uma substancial e persistente anomalia térmica do mar nos últimos verões, e muito especialmente durante o verão de 2024. O IPMA veio já reportar ser este o verão mais quente dos últimos 80 anos na região dos Açores, com a temperatura da superfície do mar a atingir uns históricos 27,3º C e anomalias térmicas superiores a 2º C.
4. Os habitats costeiros e as espécies neles residentes, incluindo o mero, estão especialmente sujeitos aos impactos destas ondas de calor visto que a camada mais superficial do oceano está anormalmente quente e atinge profundidades maiores que o habitual. A nossa rede de sensores tem registado consistentemente temperaturas superiores a 24ºC a uma profundidade de 25m.
5. 95% dos meros reportados são animais maturos (>55 cm) encontrando-se no final da época de reprodução, sendo por isso também expectável, que estes indivíduos estejam particularmente vulneráveis durante este período, dada a energia que têm de dedicar à reprodução.
Estas ocorrências, sejam ou não resultantes de infeções bacterianas ou virais, remetem-nos para o impacto que as alterações climáticas podem ter nos oceanos, afetando a sobrevivência de algumas espécies e, potencialmente, o desempenho económico de pescarias e a saúde humana. O OKEANOS alerta para a importância da monitorização continuada desta situação, e para a necessidade de se desenvolver na Região Autónoma dos Açores mecanismos de alerta precoce para prever, detetar e atuar de forma planeada e concertada perante situações que venham a ocorrer num contexto atual de alterações globais em aceleração. O OKEANOS está naturalmente comprometido em contribuir para este esforço coletivo, pelo conhecimento científico que detém, pela forte ligação com todos os diferentes utilizadores do mar dos Açores, e pelo seu papel de apoio científico à administração e políticas públicas regionais. O OKEANOS agradece toda a inestimável colaboração prestada no terreno pela população na obtenção de informação e apoio à logística da equipa MoniCO, apelando ao reporte de arrojamento de meros ou de outras espécies nas plataformas disponibilizadas no WhatsApp MoniCO +351 916792709 (funciona apenas para mensagens e fotos) ou no formulário disponibilizado pelo GRA para o efeito.
Contactos:
Direção Okeanos – Gui Menezes +351 962 328 451
Coordenador Programa MoniCO - Pedro Afonso +351 967 077 155